O facto de serem utilizadas pelos nomes grandes - aqueles que não estão na Vuelta - maioritariamente como preparação para os Campeonatos do Mundo não altera em nada a sua beleza e unicidade. E enquanto se especula e conspira para excluir do World Tour corridas como a Volta a Pequim e a clássica de Hamburgo, ou Vattenfall Cyclassics, posso dizer, com toda a certeza, que As Canadianas vieram para ficar. Não pela posição favorável que ocupam no calendário ou pela capacidade logística e financeira de organizadores e patrocinadores (são estes o Governo e Groupe Serdy, uma cadeia de televisão com canais dedicados ao turismo e gastronomia), mas pelo grande aumento de espectadores e, de forma geral, interesse pelas duas corridas ao longo dos anos. É que em quatro edições, os Grandes Prémios do Québec e Montréal ofereceram o que Hamburgo não conseguiu em dezasseis e Pequim não ambiciona sequer: um bom percurso, movimentações de corrida de início a fim e, não menos importante, paisagem. Da costa para o interior, o aumento gradual no relevo coberto de folhas de Acer convida ao ciclismo como se o Canadá fosse, em toda a sua extensão, a capital ultramarina da modalidade. Sempre vi a província de Québec como o lugar onde a arquitectura e costumes Europeus se fundem com a inovação e ares Americanos. O resultado é um país de cultura e de gente culta, não tivesse a divisa inscrita as palavras ''Je me souviens'', ou Eu lembro.
A foz e as ilhas do São Lourenço. Ville de Québec no canto inferior esquerdo. |
O ciclismo não é estrangeiro no Canadá. Em 1974, Montréal acolheu os Campeonatos do Mundo e os cerca de 150.000 espectadores na estrada viram Eddy Merckx vencer a camisola arco-íris e a Tripla Coroa do Ciclismo. Antes de Merckx, ninguém havia conseguido tal feito. Depois, só Stephen Roche em '87. A corrida começou quando Bernard Thévenet se lançou numa fuga de quase cem quilómetros que terminou na última subida ao Mont-Royal, ou côte de Camillien-Houde. Atrás, um grupo com Freddy Maertens, Herman Vanspringel e Merckx pela Bélgica, os colegas de equipa Jean-Pierre Danguillaume, Mariano Martinez e Raymond Poulidor por França e Francesco Moser, Giovanni Battaglin e Giovanni Santambrogio a representar Itália. Por fim, já na última subida, Merckx aumentou o ritmo e juntamente com Poulidor, Santambrogio e Martinez, rapidamente passou por Thévenet. A duzentos e cinquenta metros do topo, Poulidor atacou, ganhando facilmente seis bicicletas ao grupo, até que Merckx, já na descida, veloz, conseguiu juntar-se ao Francês. A partir dali, com a meta a um par de quilómetros, seria entre os dois que se disputaria a vitória, desta feita ao sprint. O de Brabant, Bélgica, lançou-se a 200 metros da chegada. No fim, Poulidor disse: ''Quando ele [Merckx] se juntou a mim, soube que tudo estava perdido. Merckx é Merckx. Não tinha qualquer hipótese.'' Desde então, o Canadá faz parte da história do ciclismo.
Este ano, deverão estar presentes, entre outros, Rui Costa, Vincenzo Nibali, Bauke Mollema, Michał Kwiatkowski, Greg Van Avarmaet, Tom-Jelte Slagter, Simon Gerrans e Sylvain Chavanel, todos estes com uma boa chance de vitória em ambas as corridas. Trepadores e velocistas, puncheurs e roladores que fazem destas duas provas modelos padrão da diversidade, dentro do possível e razoável.